Por Rogério Christofoletti – Na opaca paisagem dos personagens policiais brasileiros, um certo advogado criminalista se destaca: Mandrake. Embora seu nome seja Paulo Mendes, quase ninguém o chama assim, nem mesmo o sério Wexler/Weksler, seu sócio no escritório. Embora não seja PM ou detetive particular, soluciona crimes e mistérios que batem à sua porta quase sempre na figura de mulheres insinuantes ou irresistíveis.
Criado por Rubem Fonseca há mais de 50 anos, esse improvável investigador tem cadeira cativa na mesa dos grandes detetives da literatura nacional, seja pelo seu charme canalha ou por sua extensa lista de bons serviços prestados. Neste sentido, “Mandrake: a bíblia e a bengala” é mais uma prova para constar nos autos.
Lançado em 2003 pela Companhia das Letras, o livro traz dois casos com o carismático personagem. Em “Mandrake e a Bíblia da Mogúncia” – a história mais longa -, ele se depara com roubos no mercado de obras raras e, claro, se apaixona por uma vendedora de livros. Já em “Mandrake e a bengala Swaine”, o perigo chega muito mais perto do advogado e o coloca como suspeito de assassinar o marido de uma amante. Sim, tem rabo de saia na parada, como não poderia deixar de ser quando se trata de Mandrake.
Na edição mais recente da editora Nova Fronteira, dois textos de apoio foram adicionados: uma resenha de Cléber Eduardo, originalmente publicada na revista Época, e um delicioso texto de Sérgio Augusto, com o jeitão daqueles maravilhosos perfis que se via na revista Realidade ou ainda se lê na New Yorker.
Mais astuto que sua criatura, Rubem Fonseca recorre a um formato pouco utilizado nas nossas estantes, mas que é a cara do gênero que o notabilizou. “Mandrake: a Bíblia e a bengala” é um volume de novelas, como as consagradas pelos grandes nomes policiais. Se o autor roubou a cena com seus contos nos anos 60 e ofereceu bons romances nas décadas seguintes, a opção pela novela revisita com natural descompromisso as ruas do Rio de Janeiro e a galeria de personagens que já havia passado por “Lúcia McCartney”, “O cobrador” e “A grande arte”, por exemplo (conheça os livros com o detetive Mandrake). Novelas nos intrigam, nos envolvem, mas são como os romances de Mandrake: duram o quanto têm que durar, sem qualquer obrigação de anel no dedo ou papel passado. O personagem fica muito à vontade nelas, convenhamos…
A sedução cafajeste, as tiradas inteligentes e a violência estilizada estão todas ali, não propriamente renovadas, mas reeditadas. Mandrake se envolve perigosamente nas tramas que investiga, deixa limites éticos no retrovisor, mas conserva o sorriso cínico no canto da boca. Como já dissemos em Os Maiores Detetives do Mundo, não é que ele tenha um fraco por mulheres; esse é seu defeito de fabricação, característica que o atrai para as cenas de crime, abraçando o perigo e com ele se deitando, fogosamente.
Machista e cético, Mandrake não dispensa farta comida, boa bebida e belos charutos cubanos. Mas também ostenta familiaridade com livros clássicos e outras formas de erudição artística. É realmente intrigante essa aparente contradição – o refinamento espiritual e o primitivismo dos machos-conquistadores. Mandrake parece ficar à vontade entre esnobes e escroques.
O leitor pode tentar explicar essa dualidade, coisa que o criador nem tenta. Em vez disso, Rubem Fonseca coloca em cena elementos habituais de hard boiled, malícia brasileira, e uma fauna absolutamente maravilhosa.
“Mandrake: a Bíblia e a bengala” não é um compêndio de moral e bons costumes ou tratado de crítica social. É apenas mais uma aparição do detetive mais bem acabado do maior escritor policial que tivemos no século 20. Com um aviso: o leitor não deve esperar grandes engenharias cerebrais e intermináveis labirintos lógicos. Estamos no Rio de Janeiro, onde homicídios e extorsões acontecem bem debaixo das barbas do Cristo Redentor. Onde nem mesmo as Sagradas Escrituras estão livres de ser afanadas…
SOBRE O LIVRO
Título: Mandrake, a bíblia e a bengala
Autor: Rubem Fonseca
Páginas: 145
Editora: Nova Fronteira
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SINOPSE – Velho conhecido dos leitores de Rubem Fonseca, o advogado criminalista com alma de detetive Mandrake ressurge em uma trama que congrega suas mais célebres obsessões: charutos, vinhos tintos portugueses, livros, mulheres e enigmas. Em dois casos conectados, da Bíblia à bengala, ele se vê às voltas com um incunábulo de Gutenberg, um anão apaixonado, uma condessa italiana, uma extensa lista de ex-amantes e cadáveres que insistem em cruzar o seu caminho.Ao aceitar o desafio de procurar o namorado desaparecido de uma linda bibliófila, Mandrake realiza uma incursão pelo estranho mundo dos colecionadores de livros raros e, ao mesmo tempo, descobre que uma Bíblia de Mogúncia, de valor inestimável, foi furtada dos cofres da Biblioteca Nacional. Depois, o marido de um antigo affair é encontrado morto — e o fato de a arma do crime ser a bengala preferida de Mandrake só colabora para colocá-lo no topo da lista de suspeitos.Em Mandrake – A Bíblia e a bengala, publicado pela primeira vez em 2005, o autor homenageia a literatura policial por meio da subversão, controlando minuciosamente a tensão e o ritmo da narrativa para criar uma obra envolvente e cercada de mistérios.
Jornalista, dramaturgo e professor universitário. Já publicou 12 livros na área acadêmica e escreveu oito peças de teatro. É um dos autores do e-book “Os Maiores Detetives do Mundo” (Chris Lauxx).